Estaremos descobrindo o sentido de Humanidade?
Como uma pandemia da Covid-19 pode estar despertando nossa consciência de que somos todos interligados e interdependentes, não importa nossas origens ou nossas características físicas. E como podemos acelerar esse processo.
Artigo recente do Programa de Negociação da Faculdade de Direito de Harvard destaca a falta de lideranças globais que consigam definir as abordagens comuns para o enfrentamento da pandemia. Nesse artigo são propostas algumas “lições” que os líderes mundiais precisam aprender (e os cidadãos devem cobrar deles): a) adotar uma perspectiva de longo prazo, b) capitalizar os benefícios da negociação grupal, c) adaptar-se a um novo mundo .
Talvez estas propostas sejam superficiais. É pouco provável que os atuais líderes absorvam como lições preconizadas. Eles foram preparados para dar respostas e não para fazer perguntas. Para dizer o que fazer e não para ouvir o que as pessoas têm a dizer. Para serem os heróis da guerra contra o vírus e não os facilitadores da busca de conhecimento, conhecimento e formas de ação para neutralizar uma ameaça para a vida humana que um outro integrante da natureza está colocando. Foram educados para adotar o figurino do salvador, não o de alguém que está a serviço das pessoas. Para expandir seu ego, não a abrir mão dele.
Muito estas posturas literárias do conceito conhecido do mito do herói que, segundo Joseph Campbell , está na essência do ser humano. A jornada do herói faz parte do imaginário das pessoas. E vem sendo reafirmada ao longo dos milênios nas histórias que são contadas e passadas de geração a geração. É a eterna luta do bem contra o mal, dos heróis contra os vilões, externos e internos. E que hoje permeiam praticamente todas as formas de criação da cultura da humanidade, como a literatura, o cinema, o teatro, a música, a mídia, como séries da TV, os videogames.
Esse mito do herói está impedindo a humanidade de avançar para os patamares mais amplos de consciência. Como fomos adestrados para entender o mundo como uma eterna luta, deixamos de dar vazão àquilo que temos de mais nobre – a capacidade de fazer empatia genuína com todas as pessoas e com todos os seres vivos.
Temos sim essa capacidade como “equipamento de série” na nossa estrutura genética. Estudos sobre os neurônios espelho são prova disso. Outra prova é a reação que temos quando enfrentarmos catástrofes: passamos a ajudar os mais prejudicados sem pestanejar. Como está acontecendo nesta pandemia. São incontáveis como iniciativas de pessoas buscando formas de ajudar outras pessoas. Exemplos muitas vezes emocionantes. Como o da pessoa que está desempregada há quatro anos e que, tendo ganho o auxílio emergencial do governo, compartilhou essa migalha com seus amigos que ainda não conferidos.
Isto evidencia que passou da hora de buscarmos outros mitos para fazer com que a solidariedade, o altruísmo, a compaixão, que são características naturais das pessoas, podem se manifestar sem restrições e sem serem manipuladas.
É preciso analisar a atividade da humanidade do ponto de vista sistêmico. Estamos ainda na visão mecanicista, com uma metáfora de que alguém tem de dar corda no relógio para que ele funcione. Esse alguém é o líder autoritário que define o que deve ser feito e exige obediência das pessoas a quem deveria servir, mas que serve a um ele, seu ego, sua necessidade de poder controlador.
Fritjof Capra, em “ A Visão Sistêmica da Vida ” (Capítulo 14.4.3), colocou de forma extraordinária a questão do poder. De um lado há o poder de comandar e controlar. De outro lado há o poder de empoderar as pessoas, de fazer com que elas tenham autonomia e busquem a evolução do todo pela sua evolução pessoal. Não a evolução por meio da acumulação, seja de bens materiais, conhecimentos ou competências muitas vezes usadas para a manipulação dos outros. Competência de empoderar para permitir que a diversidade se manifeste em todas as circunstâncias, em todos os momentos, de todas as formas. E, com isso, a humanidade vai evoluir muito mais rapidamente em harmonia com a natureza.Essa forma de compreensão do papel (e do propósito) de cada um na existência é o que realmente fará a diferença.
Minha forma de pensar sempre parte da premissa de que o mal não existe. Tudo o que acontece na vida, na natureza, tem sempre o propósito de estimular uma evolução. Assim foi na evolução do planeta e, provavelmente, de todo o Universo. Aquilo a que chamamos de desastres naturais nada mais é do que movimentos que levaram ao surgimento da vida na forma como a conhecemos hoje, e como a definimos.
Lembro de outro autor, Peter Russell. Em “ O Despertar da Terra ” ele mostra como determinados acontecimentos levaram a saltos de patamar na evolução do planeta e das espécies. Afirma que quando determinado elemento se aproxima da marca de 10 bilhões de unidades, o relacionamento dessas unidades e a interação ou comunicação entre elas fazem surgir uma nova forma de organização, um salto de patamar. Assim foi com o surgimento das primeiras formas de vida unicelulares e sua evolução até os sistemas complexos de vida que conhecemos hoje.
Atualmente nos aproximamos da marca de 10 bilhões de seres humanos e dispomos de formas de comunicação instantânea sequer imaginadas décadas atrás. Parece que estamos à beira de um novo salto de patamar. E a pandemia do novo coronavírus pode ter acontecido como um impulso para que a humanidade finalmente tome o conhecimento de sua existência. Até hoje “humanidade” era um conceito abstrato. Continue nos vendo como tribos, com interesses particulares (e cada vez mais específicos de cada segmento dentro da mesma tribo) que se colocam acima das necessidades da humanidade e da natureza como um todo.Exemplo: produzimos alimentos suficientes para alimentar mais do que toda a população do planeta, mas ainda há milhões de pessoas sem condições de alimentação mais básica para garantir a garantir. E muita gente está ganhando com isso.
Mas as coisas estão mudando. As adesões pessoais, empresariais e comunitárias de buscar o mínimo de dignidade a essas pessoas a partir do que uma pandemia revelou comprovam que faz parte da natureza humana ser solidário. Mas é preciso que a oportunidade não seja desperdiçada pela ganância, pela sede de poder, pelos egos.
Podemos assim estar no limiar da era da consciência. O que cada um de nós pode fazer para que essa oportunidade seja muito bem aproveitada?